O QUE EXISTE POR TRÁS DO TRANSTORNO ALIMENTAR?
Após anos vivendo uma
verdadeira guerra contra o sobrepeso, de uma hora para outra me vi obesa e com três
dígitos na balança.
A obesidade é traiçoeira. Ela
começa aos poucos, dois ou até cinco quilos a mais, que depois do susto e da
poeira baixar, ficam por ali, avolumando confortavelmente a silhueta.
E como o peso extra não é
algo tão assustador, muitas vezes nós recorremos a um remedinho aqui e outro
acolá, ou a uma dieta mirabolante, ou a intensos exercícios físicos (esses,
sempre, a última das opções) – porque a gente imagina que a coisa é pontual.
Mas infelizmente, não é.
A obesidade oriunda de um
transtorno alimentar - na maioria das vezes relacionada a descaso, ao desleixo
e à falta de vergonha na cara - é só a pontinha de um profundo iceberg.
Ali, escondido por baixo de
quilos extras, estão travas de um passado mal resolvido, de relacionamentos
frustrantes, de medos anônimos – porque não temos coragem de conhecê-los, mesmo
sabendo que estão ali – de feridas emocionais e de uma confusão mental tão
grande que nos entregamos sem nem questionar.
Já vi muita gente dizer que
não se importa em ser gorda. Eu mesma já disse isso um bocado de vezes, até que
descobri que eu não estava apenas gorda, eu estava com a minha vida
desordenada. E isso não é tão simples de ver.
Além disso, ter a vida
desordenada não significa que problemas no trabalho, no relacionamento ou com a
autoestima estejam explícitos. Porque se tem uma coisa em que somos boas é em
usar máscaras para disfarçar qualquer coisa.
Os gordos geralmente são
muito presentes, necessários. Gordos são muito solícitos! Eu mesma já acreditei
que era para me sentir aceita e amada. Mas vai além. Na verdade, na nossa
intimidade a coisa está tão conturbada que ficar sozinha com a própria
consciência torna-se penoso, dói.
Por muitas vezes isso era
uma armadilha para mim, sou uma ermitã e amo a solidão, então, dizer que ficar
sozinha com meus pensamentos era penoso parecia contraditório.
Daí eu voltei o
filme da minha vida e o que deveriam ser momentos de autodescoberta eram
momentos de entrega total ao descompromisso de ter que pensar, porque eu
deixava que séries sem fim e livros, lidos de capa a capa – por vezes aos
pares, me transportasse a um mundo novo, seguro e longe o suficiente dos meus
pensamentos.
Interessante ainda é
perceber o quanto isso aumentava outras desordens dentro de mim.
Comer era só
uma consequência dos meus pensamentos acelerados e nem sempre conexos, do meu
humor montanha-russa, das minhas simultâneas crises de depressão e até da
ansiedade por um futuro que eu não movia uma só agulha para modificar, porque
estava ali, congelada pelo medo.
Mas tudo o que eu queria era
emagrecer.
E foram dezenas de vezes que
acreditei que voltar ao peso de quando era solteira me faria ser mais feliz,
mais segura, ter mais sorte, sei lá. E eu emagreci essas dezenas de vezes, eu
conquistei o peso ideal, mas a minha cabeça continuava desordenando a minha
vida.
A fatura do cartão de
crédito que o diga...
Sem contar com um detalhe:
eu continuava sem saber quais eram os meus medos.
Engraçado é que nenhum
médico explica isso pra gente. O endócrino nos empurra para o psiquiatra que
trata tudo com medicamento, mas não nos faz descobrir a origem de nossas
questões. Com alguma sorte, o psiquiatra nos encaminha para terapia e, com mais
sorte ainda, encontramos um terapeuta que nos compreenda – mas como eu disse:
isso demanda muita sorte, sem contar com o tempo e o dinheiro para investir (o
que fecha o cerco para a maioria dos mortais).
Detalhe maior quando a gente
pede socorro a um nutricionista que só conhece transtorno alimentar pelos
livros que, talvez, tenha estudado com alguma atenção na faculdade.
Porque no
geral a dieta vem pronta de gaveta, com alimentos que a gente compra nas
lojinhas de suplementos e produtos “naturais” e que, invariavelmente, fazem a
nossa compulsão pipocar. Daí, o que foi comprado como sendo a tábua de salvação
perde a validade nas prateleiras da despensa – porque é detestável a ideia de
ter que fazer dieta comendo comida com gosto de nada.
Com um pouco mais de sorte,
encontramos um estilo alimentar que junta nossa fome com a vontade de comer.
Engajamos, emagrecemos, mas sem explicação, morremos na praia mais uma vez ou
voltamos para a nossa velha gangorra: emagrece-engorda.
Mais uma vez, lá estamos
nós, dando a cara a tapa, porque a gente não engorda pelo que come, nem porque
não sabemos o que devemos ou não comer, mas é pelo que nos faz querer silenciar
a nossa mente mastigando.
Quantas vezes comi um pacote
inteiro de biscoitos sem nem ver que havia comido e, o pior, tendo mais fome
ainda depois que o terminava. O que me fazia parecer ainda mais ridícula,
insensata, incoerente, sem vontade ou com qualquer vestígio de vergonha na
cara.
Viramos vítimas dos mais
diversos comentários, com rótulos e piadas prontas que a gente mesmo conta para
não parecer constrangida e, muitas vezes, buscando justificar tudo o que o
nosso corpo está escancarando e que não conseguimos mais esconder, juntamos à
ciência comprada nas bancas de revista ou no amado Dr. Google, teorias de
botequim e, assim, nossas desculpas ganham álibis perfeitos e ecoam como
verdades inabaláveis: é a idade; é o metabolismo; é a menopausa; são os
hormônios...
E nessa, quando dei por mim,
lá estava eu beirando quarenta e cinco anos, com 102 quilos e totalmente certa
de que ser gorda era o meu destino. Julguei até ser hereditário, pois minha avó
materna era obesa.
Mal sabia eu que a pobre
deveria ter carregado por anos aqueles quilos extras, que culminaram em
diabetes e câncer, de tanto se esconder de seus medos.
Tudo bem, talvez você me
diga: todos nós temos medos. E é verdade, pobre de quem não os tiver. Mas
algumas pessoas os enfrentam, outras apenas adoecem dia após dia sem nem
descobrir a origem de suas mazelas e outras, além das dores comuns a todos,
ainda somam dores oriundas do excesso de peso, enquanto ganham nova silhueta e
despertam a atenção daqueles que não se atinam para a inconveniência dos
olhares tortos e dos comentários fora de hora.
Mas há como mudar essa
história. Há uma forma de trazer à luz a felicidade tão necessária para viver
plenamente. E o segredo está em descobrir quem são os nossos medos e o porquê
deles nos atormentarem.
O medo mata os sonhos. O medo mata a
esperança. O medo coloca as pessoas no hospital. O medo nos envelhece
prematuramente, e ele nos impede, até mesmo, de fazer algo que sabemos ser
capazes de fazer, mas que, ao nos conectarmos a ele, ficamos paralisadas.
Só que no final das contas, o medo não é nada
mais que uma barreira criada pelo nosso cérebro para nos proteger e nos colocar
num lugar seguro chamado zona de conforto. Segundo estudos da Harvad Medicine Shchool,
88% das pessoas escondem seus medos.
Quantas não foram as vezes em que evitei
abrir uma fatura do meu cartão de crédito, como se isso fosse mudar a dinâmica
do problema. Na verdade, era eu me escondendo deles, como fiz com tantos outros
medos que carreguei pela vida.
Pena que, em geral, não temos consciência de
que por trás desses medos está o princípio de nossas maiores vitórias e a nossa
cura.
Tudo está relacionado aos nossos sentimentos,
em especial, aos nossos medos.
Você tem medo de quê?
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