AFINAL, O QUE É CETOSE?


Vou tentar esclarecer o máximo possível, mas já de antemão sugiro que se for procurar por fontes de pesquisa a minha indicação é o blog do Dr. Souto.

E para começarmos, a primeira coisa que é preciso deixar claro sobre cetose é que trata-se de um estado fisiológico natural em que todo ser humano está quando passa várias horas sem comer. Todos os dias, após várias horas de sono você acorda em cetose leve. Este estado se dá quando a liberação de insulina (hormônio secretado pelo pâncreas) fica muito baixa, caracterizando a ausência da oferta de substrato (principalmente carboidratos), o que indica que é a hora do corpo utilizar sua reserva (gordura corporal).

Então a gordura corporal é quebrada no que chamamos de corpos cetônicos (identificados na urina (acetoacetato), no sangue (beta-hidroxibutirato - BHB) ou na respiração (acetona)) que serão utilizados pelos órgãos e tecidos.

Importante: o estado de cetose (natural, fisiológico) é completamente diferente do que chamamos de cetoacidose. Na cetose a quantidade de BHB no sangue raramente ultrapassa 4mml/L (não é nada simples alcançar e manter isso), já na cetoacidose esse resultado geralmente esta acima de 15-20mml/L. Isso acontece exclusivamente em diabéticos tipo 1 (insulino-dependentes) descompensados. É um quadro perigosíssimo que se não revertido, leva a coma e mata.

Mas caso você não seja diabético tipo 1, não há chances disso acontecer. Nem mesmo se jejuar por muito tempo, ou diminuir demais a quantidade de carboidratos por um longo período (não que alguém precise fazer isso). Então precisa ficar para trás a ideia de que entrar em cetose é perigoso ou pode ocasionar danos a longo prazo. Se isso fosse real não teríamos sobrevivido ao longo de milhares de anos, já que nem sempre a oferta de alimentos foi tão acessível.

Agora, a pergunta é: será que precisa entrar em cetose para emagrecer? 
Principalmente alguns anos atrás, quando as pessoas começaram a ouvir mais sobre dietas baixas em carboidratos (não que estas sejam "novas", já que as primeiras comprovações datam do século 19), espalhou-se um boato de que se o sujeito estivesse em cetose, seu emagrecimento aconteceria mesmo se ele comesse quantidades enormes de carne, queijo, creme de leite e outras fontes de proteínas e gorduras. Foi assim instalado o caos!

As pessoas mediam seu nível de cetose usando fitas de cetona (urina ou sangue) e cuidavam para não sair do que chamava-se de "zona ótima da quebra de gordura". O que muitos não entendiam é que quando dosamos a quantidade de BHB no sangue, podemos ver que está acontecendo à quebra de gordura, no entanto não é possível dizer exatamente de qual gordura!

Por isso, se uma pessoa está em cetose, isso pode indicar que ela está quebrando gordura corporal ou simplesmente a gordura proveniente da alimentação! E qual o grande problema disso?
O problema disso é que se uma pessoa faz uma dieta muito rica em gordura, ela até atinge um bom nível de cetose, mas facilmente extrapola sua necessidade calórica!

Uma dieta cheia de queijo, abacate, azeite, carne, ovo e creme de leite fica facilmente hipercalórica! Daí o tiro no pé! O que emagrece em uma dieta baixa em carboidratos não é a cetose em si, mas sim o quadro:
Diminuição da sinalização de insulina - consequente diminuição da fome - consequente diminuição do aporte calórico (tenho isso explicado em posts que fiz em 2015).

Entendeu agora? Mesmo em cetose, não há como ter um emagrecimento expressivo comendo muito mais calorias do que seu corpo precisa. E como sabemos disso?
Esqueça o baixo nível de evidência científica (opinião de especialista) e pense no que temos demonstrado em bons ensaios clínicos. Um dos que mais gosto sobre esse assunto é o "Calorie for Calorie, Dietary Fat Restriction Results in More Body Fat Loss than Carbohydrate Restriction in People with Obesity" publicado em 2015 na prestigiada Cell Metabolism.

Neste ensaio clínico que apesar de pequeno tem uma metodologia extremamente robusta (ambiente fechado, totalidade das refeições provida pelos pesquisadores, taxa metabólica basal medida por calorimetria indireta, etc), ficou claro que uma dieta baixa em carboidratos não produz um emagrecimento superior quando comparado a uma dieta baixa em gorduras (apesar de ter várias ressalvas sobre a metodologia empregada nas dietas, mas esse é um assunto médicos da área).
Isso se deu justamente porque neste ensaio, as pessoas não estavam em condição de vida livre. Elas não podiam fazer suas escolhas e comer apenas quando tinham fome, por exemplo. O que deixa claro o real motivo de uma dieta baixa em carboidratos funcionar em tantos casos: não é a cetose, ou a gordura, ou o pouco carboidrato, ou a estratégia em si, mas sim o modo como esta estratégia modula a quantidade de alimentos consumida no fim das contas! É como ela come regularmente e as trocas que ela faz: troca pão por ovos, macarrão por peixe e bolo por fruta!
E a eficácia disso já foi comprovada em muitos (mas muitos mesmo) bons ensaios clínicos em condição de vida livre!
Então se seu objetivo é emagrecer e você se adapta bem a uma dieta baixa em carboidratos, ok, faça! Mas zere a preocupação com cetose e foque 100% em fazer da sua alimentação algo que tem base em folhas e vegetais (não tubérculos) e sem nenhum exagero nas quantidades de gordura! Afinal, não há milagre e sim, consciência alimentar e equilíbrio.

Mas só um detalhe, quando escorregar, não fique se lamentando, só volte à sua rotina na refeição seguinte e tudo bem. Porque se alguém te disser que venceu sem nunca ter escorregado, desconfie – essa pessoa possivelmente, mente.

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